Última noite

icanthelpbutwonder
2 min readMay 7, 2020

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Na noite do dia 13 de março fui encontrar amigas num bar em Copacabana para uma celebração. Demonstrei certa preocupação com o avanço do vírus aqui no Rio, mas elas disseram que o ambiente era aberto e não haveria maiores problemas. Tomei banho, arrumei o cabelo, coloquei uma maquiagem e uma roupa que gosto. Decidi caminhar pela Orla e beber a noite como gosto de fazer. Luzes da cidade, cheiro de mar e Marisa pelo fone de ouvido “…sou porta-bandeira de mim…só não se perca ao entrar no meu infinito particular.” Nem imaginava que seria minha última saída em meses. E eu não mudaria nada se soubesse.

Hoje, dia 07 de maio, penso em nossa capacidade inata de adaptação. Me acostumei com uma saída semanal apenas para ir ao supermercado. Estou abandonando certos hábitos que não me faziam bem. Criei uma nova rotina. Criei uma nova forma de trabalhar. Terminei livros que estavam me esperando há meses. Assisti séries e filmes que estavam numa lista desde 2019. Farofa e feijão agora fazem parte do meu cardápio. Queimei velas que antes eram parte apenas da decoração. Me aproximei de algumas pessoas, me afastei de outras. Toda uma vida continua dentro de quatro paredes e a verdade é que, fora pequenos ajustes, meus dias não mudaram tanto.

Muitos de nós baseam suas vidas na construção de estabilidade para não precisarem se deparar com esse fantasma: a mudança. Há tempos filósofos do Oriente ao Ocidente nos alertam sobre a natureza impermanente da vida. A mudança não é exceção. Raro é ter longos períodos de estabilidade. Seja na História coletiva, seja em nossas histórias individuais. Nós, homo sapiens contemporâneos, possuímos a ilusão de controle e fé inabalável na ciência. Esse inimigo invisível veio nos lembrar que somos mortais. E você, como passou sua última noite antes desse vento bagunçar essas crenças?

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