Voz Marginal

icanthelpbutwonder
2 min readOct 1, 2019

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“Aonde você acha que vai chegar brincando de ser escritora?”, escuto uma voz desagradável me perguntar. Todo santo dia. Por muito tempo, enquanto estudava assuntos de meu interesse ou lia livros que não tinham aplicabilidade no mundo material e linear essa mesma voz me dizia: “Vá terminar aquele curso online de Excel que iniciou há meses. Que mania você tem de procrastinar com as coisas que vão te levar a algum lugar.”

Algum lugar. Assim, indefinido e indeterminado. Porque não havia lugar para onde eu quisesse ser levada através dos caminhos racionais que meu cérebro traçava. A intuição me levava às livrarias e aos filmes produzidos por mentes tão distantes da minha: Europa, Oriente Médio, África, Ásia. Eram os lugares que costumava ir quando frequentava religiosamente minha missa de domingo: os cinemas de rua. Ali, eu ainda escutava que deveria estar em casa, com o laptop aberto, reproduzindo fórmulas e cálculos exatos. Eu, que me sentia transbordar ao percorrer o caminho de volta para casa, naqueles domingos que não conheciam a música do Fantástico, mas que tinham gosto de “aproveita que amanhã você vai precisar voltar à vida real.”

Algum lugar. Vida real. Os conceitos e questionamentos se acumulavam em igual medida. Uma voz baixinha e solitária, conseguia, vez em quando, se sobressair: “Por que eu não posso inventar minha própria realidade de vida?”, mas a outra ainda vencia. Afinal, caregava consigo uma grande vantagem, era acompanhada da família e da tal sociedade. Aos poucos, fui percebendo, que eu que sempre me atraí mais pelos oprimidos que pelos opressores, me interessava mais pela voz marginalizada. Gradativamente fui notando que sua única meta era fazer com que eu enxergasse minhas potencialidades e desejos tão camuflados no cotidiano.

A voz opressora ainda bate ponto no meu dia a dia. Com frequência faz hora extra e não usufrui seus bancos de horas. Já entendi que ela não curte férias também. Mas, decidi que, por hora, vou me divertir com a voz que não se adapta a tais burocracias e certezas imutáveis. Aquela que tenta me mostrar que posso tornar realidade minhas próprias abstrações e não aquelas inventadas por outros que ousaram acreditar na materialização de suas ideias.

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