Desobediência
É um tanto quanto incômodo revisitar memórias fortes de uma Juliana mais obediente. Venho tentando escrever o que vivi nos dias em que passei pelo território Israelense/Palestino em 2011, mas não consigo avançar com clareza. Sinto como se fosse uma edição dos fatos vividos com um olhar ainda tão neutro perante injustiças tão escancaradamente abafadas. Me atentarei então ao que ouvi e senti hoje, 21 de novembro de 2019.
Primeiramente é notória a cruel semelhança entre o apartheid ocorrido na Palestina e nas favelas cariocas. O militarismo, o controle de acesso, a criminalização dos que nasceram e vivem nesses territórios, os muros, as técnicas de tortura e eufemismo linguístico. Por muito tempo acreditei no discurso de que ambas as guerras são travadas por dois lados certos. A empatia limitou minha visão. Enxergo o sofrimento existente em todos os lados dessas duas guerras, mas hoje vejo com clareza que onde há opressor invariavelmente os oprimidos irão se rebelar. E quando eles o fazem,desobedecendo ao massacre à sua maneira, são criminalizados e sua liberdade de ir e vir é confiscada sob o argumento de legítima defesa.
Segundo, agora um relato mais pessoal, há algo na Palestina e em seu povo que me faz sentir em casa e me faz abraçar sua luta. Ter estado em sua terra e ter tido permissão de acessar lugares que nem eles mesmos o tem é algo que nunca saiu de minha cabeça. A Sabrina Fernandes argumentou brilhantemente hoje é que solidariedade sem ação é apenas discurso. E isso vale para qualquer causa. Muitas vezes não o fazemos por não enxergar como e continuamos nossas vidas. Vez em quando escutamos a notícia de que uma criança foi assassinada ou que inúmeras vidas palestinas foram tiradas em um único dia e, alguns param para pensar naquilo e poucos, pouquíssimos, tomam como uma luta e adotam a partir daí ações pautadas na realidade de fato. Penso que até mesmo para ajudar o próximo devemos ser capazes de pensar por nós mesmos. E é justamente o poder contido no pensar autônomo que torna o consumismo e o “seguir” tão perigosos e tão difundidos.
A legalidade e a imparcialidade podem ser nocivas (vide o Apartheid sul africano e a escravidão — ambos legais por décadas, quiçá séculos). Desobedecer é um imperativo que desejo cultivar em minha vida. E não por pura rebeldia ou idealismo, mas por acreditar na criação do novo e na superação do que é negativamente cíclico. Compreendendo sempre que o eu nunca está separado do nós. Me vem à mente algo que o Bahá disse hoje cheio de humildade e verdade: “Não sabemos ainda qual é a solução, mas sabemos como eles nos previnem de chegar nela.” Seguimos.