Deixo
Copacabana em um sábado nublado de quase verão. Os bares ainda fechados. As buzinas já se acumulam. Nas janelas de frente vejo o diverso acordar de rotinas. Os cachorros latem num encontro de esquinas. Meu café vai esfriando enquanto o incenso queima e digito essas palavras sem intenção prévia.
Minha mente insiste em viajar para um futuro sem respostas e eu a puxo de volta para esse presente tão desejado e tão gostoso. Que mania chata de taxar cada fase da vida como transitória e esquecer de lembrar do que não há escapatória: o amanhã, quando vem, é nada mais do que reflexo do hoje somado à eventuais imprevisibilidades. Acumular dúvidas por hobby não soma nada nessa equação divina.
Penso em Paulo Freire quando diz “não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos.” O processo está aí não apenas para ser superado, mas para ser vivido em sua máxima potência. Sem tantos deverias e com mais poderias e desejarias. Não é de um dia para o outro que o modo de produção anterior será deletado do meu ser. É no som de minha própria voz, no despejar de minhas próprias palavras e no pensar de meus próprios pensamentos que a desobediêcia criativa será gestada. Escuto “Deixe que o plano para você surja de dentro de você.” E resolvo que deixo.